4.11.08
Sigo lendo e relendo Casimiro de Brito, grande poeta português, que também é romancista, ensaísta e contista. A antologia poética dele faz parte da Coleção Ponte Velha, da editora Escrituras, e é mais um dos meus (muitos) livros de cabeceira. Na verdade faço dos livros de poesia (especialmente de poetas portugueses) meus travesseiros. Na poesia lusa que me chega não percebo alguns vícios de certos vezos brasileiros. Prefiro o lírico cotidiano dos melhores poetas portugueses contemporâneos às esquisitices ou ironias pós-moderninhas de vários poetas-pop, essa nova praga virtual.
Um outro escritor português cujos dons literários me impressionam é o romancista M. Gonçalo Tavares. Li Jerusalém e fiquei muito impressionado. Tem um livro novo dele na praça, bem como o anterior, que eu perdi. Vou ver se ainda consigo encontrá-los e depois comento aqui.
Por hoje, fiquem com um poema do Casimiro de Brito:
AMOR SOLAR
Cansado dos homens afasto as nuvens
Em busca de uma paz de árvore onde eu possa
Beber em paz e em paz
Construir o meu ninho. Ali
No tronco mais silencioso da grande casa
Não sou cidadão de país nenhum
Pai de nenhuma família
Sou apenas o cão mais humilde
Do mundo que há para além do mundo
Onde se medem ao milímetro
O bem e o mal. Nesse pátio
Já não estou afastei-me
Quando perdi o sentido do peso
E das medidas - quando alguém me disse
E eu vi
Que numa gota de vinho há dez mil anos
De amor solar.
27.10.08
14.10.08
9.10.08
Hoje começa a II Feira do Livro de São Luís. Devo aparecer por lá à tarde. Espero que seja melhor que a feira do ano passado, com poucos stands de fora, poucos eventos paralelos e pouquíssimas promoções quanto ao preço dos livros.
A iniciativa da Feira é uma boa porque em S. Luís, a suposta cidade "dos poetas", já não tem mais livrarias, nada além da Nobel, da Atenas, da Literarte e dos sebos.
Eu me viro comprando livros pela Internet. Mas ainda assim, adoro freqüentar boas livrarias. Nem que seja só para folhear livros que nunca comprarei.
Dos escritores convidados para esta edição da feira o único que realmente admiro e, portanto, conta, é o João Silvério Trevisan. Eu adoraria que ele autografasse o seu livro, caso eu não o tivesse emprestado (ou seja, em nosso país, levando em conta nossos costumes, isso quer dizer dado para os outros, perdido). De qualquer forma pretendo comprar na feira outros livros dele, além dos que emprestei (perdi). Espero encontrá-los. Aí peço para o Trevisan assinar.
Ele namorou o Lúcio Cardoso, coisa que a Clarice Lispector teve muita vontade, mas não conseguiu, por causa da "impossibilidade", escreveu a esfinge. Audácia do Trevisan.
8.10.08
Bom crítico de cinema é o americano Roger Ebert, que escreve há anos para o Chicago Sun Times. No dizer de Paulo Francis: "o grande crítico nos guia, não fica só no esculacho". Vale mais a pena por suas simpatias do que pelas inevitáveis torcidas de nariz.
Nesse sentido, Ebert é um campeão da crítica. Quando gosta de um filme ele sabe pôr devidamente os pingos nos is sobre o mesmo. Seus argumentos nos esclarecem não só sobre o filme em si, mas também a respeito do verdadeiro papel da crítica: evidenciar o que há de essencial por sob as superfícies. Não é uma tarefa óbvia e requer uma cultura que não vem exclusiva da TV ou da Internet.
Ebert escreve maravilhosamente bem. O que mais me espanta ao ler críticas de cinema na Internet é a homogeneidade da coisa. Contam a sinopse. E acrescentam aquela história de "gostei" ou "não gostei", com arrogância e tal. Falta análise.
O site do Ebert é um guia de atualização de filmes, tanto de lançamentos quanto daqueles grandes filmes que não têm a validade vencida.
Há dois maravilhosos livros de Ebert lançados no Brasil pela Ediouro: "A Magia do Cinema" e "Grandes Filmes". Ambos esgotados, se não me engano. Recomendo-os para quem ama cinema. E recomendo-os, sobretudo, àqueles que precisam aprender a escrever sobre cinema.
20.5.08
Dizem que o lirismo é um relâmpago
Subcutâneo a desencadear um transe
Que engrola a língua. Quando a linguagem
Do indivíduo em curto-circuito
Mas as leis da inspiração não têm
A mesma validade para os loucos lúcidos.
Nenhum incêndio acende-se nas palavras
por combustão natural. Tudo e nada
1.4.08
A rua rio árido de pó e asfalto
curva-se
entre casas avenidas praças
mortas.
Os homens calados amalgamados
espiam
de dentro da metálica estrutura
rangente
as flores as mulheres as crianças
movediças.
Uma tarde liquefeita inquieta
escorre
pelas vidraças solares
oscilantes
e o sangue o sonho transportados
vibram
trêmulos cidade vítrea adentro mar
mundo
céu horizonte & juventude perdida
adiante.
Alguém sempre funda uma cidade do seu asco
RETIRO
Por longo tempo estive doente de silêncios,
recoberto de cinzas, tácito como a madrugada,
melancólico como os mochos.
Aspirava à decantação de um espírito
devastador como nuvens de gafanhotos.
Não queria mais ver, não queria mais sentir
Qual era o meu lugar – o meu nicho e ninho – e me rendia
À desolação do deserto, ao desconsolo do tempo
E me fiz monótono, à imagem e semelhança do meu desespero.
Enterrei o desejo sob camadas de neutra indiferença
E já não era nada, menos que nada: palavras amargas
Repertório de farpas, sílabas envenenadas.
Por longos anos estive morto, pior que morto,
Seco e oco como um espantalho
E ignorei passos, gestos e vozes.
Desperdicei as horas o olhar: as palavras
Devoraram-se lentamente.
Era já um caso perdido, uma casa abandonada sob a hera.
Mas foi no centro neutro de um vazio tão completo
Que descobri o veio puro de que o ser era feito.
O tesouro aéreo as moedas solares o rosto luminoso
E amado da matéria vibrante. Reencontrei o fogo
A clareza esplendorosa de um regato ou de um rosto,
O rumor das cidades, o soluço ensimesmado das árvores
E o transparente silêncio das estrelas.
Fitei o meu segredo já aberto num sorriso distribuído
às sombras aos abismos aos abutres e corvos em fuga
E eu disse.
A voz foi e não foi liberta
Posto que adormece agora
entre as cordas flutuantes desta página de silêncio
Onde deixei desenhados os signos que não me traduzem
Apenas transplantam o mistério de uma face imperscrutável
e um coração arenoso a uma superfície porosa e perecível
Tanto quanto a carne o lábio o olhar o sexo e o desejo
Aqui reunidos neste feixe de inconstâncias
Que é quem eu sou. Deitada a mão pelo papel
Repleto de finas incrustações e lisas e azuis
letras lançadas trêmulas inebriantes erradias
Riscando cometas na alva cadência estendida
Como um deserto aberto sobre a mesa translúcida
E longilínea, aérea, erguida, a palavra
salta no universo enleada pelo olhar
sustentada pelo hálito
De fogo e vento que nos tempera
Distribui-se à órbita dos ouvintes
Alcançando longes e amanhãs, além das espirais
Que atam folhas pálidas à miséria do esquecimento.
As palavras alçadas
Assim à cor do dia vestem sentidos e se desnudam
Entregues em frases e versos intermitentes
na lembrança e na brevidade, esboçado o gesto de ser,
gravado no gelo breve de uma vida,
sob o nítido rumor de um pensamento infinito.
16.2.08
O dorso ardente prova o fogo dos prados
E o trigo das horas corridas ao sol
Na confusa fusão do olhar somos
um só mesmo animal na poeira dos rumos.
O galope intenso nos leva além
dos limiares de verde solidão e monotonia
A terra pouco a pouco
Abre paisagens segregadas a pés ou patas
Teu meu corpo feroz é só alento e pulsação
Nossas crinas solares dançam em desespero
Alcançamos a aurora da cidade fulgurante
fugitivos a correr desde a noite primeira.