28.12.06


UM BALANÇO

Fim de ano é um bom momento para um balanço pessoal. Há mais de ano escrevo um blog sobre literatura. Quixotesco, claro, pois literatura interessa a três ou quatro gatos pingados.
O grosso dos blogs: 1. Destila ironias; 2. Fala de cinema ou música; 3. Trata de trivialidades interessantes. Tudo muito divertido, mas que não solicita massa encefálica. Música e cinema são troços puramente sensoriais. Grande parte do cinema de hoje virou puro desenho animado, efeitos especiais em profusão sem uma boa história a amarrá-los, e as trivialidades do dia-a-dia são permeadas por bobagens de consumo rápido. Tudo parece amparado pela TV.
Ganhei um concurso e conseqüentemente lançaram um livro meu em 2006. Ler-se depois de algum tempo é um grande exercício de autocrítica. Jornalismo resume-se a press-releases de poderosos. Opinião livre e independente não conta nem consta mais da pauta. Escreve-se mal nos grandes jornais para alcançar uma malta de iletrados. Oscar Wilde estabeleceu a diferença entre o jornalismo e a literatura: o jornalismo é ilegível e a literatura ninguém quer ler.

Faço poesia, de vez em quando. E é o que me salva. Nem sempre me salvo na opinião geral.
Sei que ainda estou vivo.
No fundo não sei nada. Há anos não faço psicanálise. Ter amigos íntimos sai mais barato, já dizia um meu amigo. Sabemos bem o que não somos, e o que não queremos, como Montale. De resto estamos sempre reinventando a roda.

Sou um leitor de mente aberta, leio de tudo, de Homero aos pós-modernos, mas estou sempre voltando a um clube restrito de autores preferidos.
Arte para mim tem que ser arrebatadora. Prefiro livros a badalações, o que me encerra na concha. Romancistas notáveis dão-nos um mundo, um universo inteiro, vida – ainda que falem sobre o vazio e o tédio da vida. O charme é não ser vazio nem tedioso escrevendo.

Humor ajuda. A vida está cheia de ironias inspiradoras. Escritores sem humor descem muito mal, a meu ver. Seria um paradoxo ser sério num país que não é sério.
Não me vejo professor ensinando literatura numa academia. Literatura se ensina? A quem? Solidão não se ensina, embora parte essencial de nossa condição. A solidão é recriminada em nossa sociedade, que glorifica a imersão na massa e apregoa os sentimentos gregários. Escrever é a solidão posta no papel. Depende de isolamento e exige um grau de abstração próximo ao delirante. Não à toa Dom Quixote é o herói máximo da literatura romanesca, logo seguido por madame Bovary.

Beber atrapalha. Bebo, mesmo assim. Toda a minha geração bebe como cardumes no rio, raros escrevem. Devo ser um peixe muito esquisito no meio deles.

15.12.06


QUEDA
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Andando hoje pelas ruas do Centro ponho um pé numa falha da calçada e vou ao chão como um edifício em ruínas. Apanho meus livros caídos, bato o pó dos joelhos e retorno, humilhado pelos risos dos vigias de carro, ao mundo transtornado dos gestos. Um rapaz se aproxima e me pergunta se estou bem. Estou - respondo hesitante, trêmulo, ainda ferido - e é verdade: não quebrei os óculos nem nada interno, minha alma escapou ilesa. Mas uma sensação de impotência em relação aos acidentes, de fragilidade diante do acaso levanta-se comigo e me acompanha pelo resto do percurso.